
Este artista quer filtrar o ar poluído da China com bicicletas, torres e joias
Projeto que busca combater a poluição e o congestionamento nas cidades conta com apoio do governo chinês
Matheus Moreira 26 Mai 2017 (atualizado 29/Mai 15h40)
Em 2007, o artista holandês Daan Roosegaarde fundou, em Roterdã, na Holanda, o Studio Roosegaarde, um laboratório de pesquisa e estudos sociais que desenvolve projetos que aliam urbanismo e meio ambiente. Agora, dez anos depois, ele divulga a nova e mais ousada fase do seu trabalho de combate à poluição atmosférica: bicicletas que filtram ar poluído. Nomeado como “Smog Free Bicycle”, o projeto foi desenvolvido para funcionar, a princípio, em Xangai, na China, onde Roosegaarde abriu uma filial de seu laboratório. Apesar da divulgação, a bicicleta ainda não saiu do papel. O projeto começou com a criação das Torres Smog Free, que são estruturas que absorvem partículas de poluição, filtrando o ar. A segunda etapa, que precede a da bicicleta, prevê que as partículas poluentes absorvidas sejam armazenadas em anéis comercializáveis, reciclando a poluição. Procurado pelo Nexo, o estúdio disse que não há previsão para que a bicicleta entre na fase de testes ou apresente um preço de mercado definido.
O que o estúdio faz na China
Roosegaarde é arquiteto de formação. Ele criou seu estúdio em 2007 para estudar meios de integrar pessoas, tecnologia e os espaços públicos e privados. Em 2015, os níveis de poluição atmosférica registrados em Xangai e Pequim eram tão alarmantes que escolas chegaram a vetar atividades ao ar livre, aulas foram suspensas e carros precisaram ser removidos de estradas devido à baixa visibilidade nas vias. Em setembro de 2016, o projeto de Roosegaarde desembarcava no D-Park, em Pequim, para a primeira parada da turnê que está fazendo pela China com o apoio do Ministério de Proteção Ambiental chinês. Dois anos mais tarde, a China ainda apresenta névoa de poluição, fenômeno conhecido como “smog”. É nesse mercado que a bicicleta projetada pelo artista holandês quer entrar.
“O Projeto Smog Free reflete a agenda nacional de proteção ambiental de 2016 para promover um ‘estilo de vida verde’ entre os cidadãos chineses. Nosso objetivo é orientar e sensibilizar o público para reduzir a smog [névoa de poluição]"
Como o ar é purificado
A ideia é que o sistema de purificação do ar seja instalado no guidão da bicicleta. O dispositivo absorve o ar impuro à frente do ciclista durante o movimento e o filtra, purificando-o e o liberando em direção ao ciclista, como sugere a imagem divulgada pelo estúdio:
Apesar de não haver mais informações sobre como o dispositivo funcionará ou qual será o seu custo no mercado, com base no comunicado de imprensa emitido pelo estúdio, pode-se aferir que o sistema agirá como um filtro comum (pela ionização do ar) ou de forma similar à Torre Smog Free.
Ionização do ar
O ar é composto, essencialmente, de nitrogênio e oxigênio — e, em menor escala, de gás carbônico. Esses três compostos químicos são, por sua vez, feitos de átomos. Já o ar impuro é composto de íons positivos presentes na atmosfera. Os íons são átomos que ganharam carga elétrica positiva ou negativa. Quando há falta de partículas negativas (os elétrons) que compõem a estrutura do átomo, pode-se dizer que o átomo fica positivo. Quando um átomo está positivo ele se torna impuro, ou seja, está poluído. Respirar esses íons positivos é prejudicial à saúde e pode gerar irritabilidade, cansaço e vertigem, por exemplo. Se o dispositivo adotar esse caminho, ele transformará os átomos que estão excessivamente positivos em íons negativos, aumentando a concentração de íon negativo no ar. Os íons negativos são bons para a saúde, e é graças a eles, por exemplo, que respiramos melhor quando chove. Isso acontece porque a chuva promove a ionização do ar, ou seja, transforma os íons positivos em negativos.
Absorção de partículas poluentes
A bicicleta Smog Free é a terceira etapa de um projeto maior de combate à poluição atmosférica. Na primeira fase, Roosegaarde desenvolveu torres que absorvem e armazenam de 50% a 75% das partículas poluentes PM10 e PM2,5 (os números dizem respeito ao diâmetro das partículas em micrômetros, escala 1 milhão de vezes menor que o metro), no raio de 1,5 metro a partir da Torre - em um raio de até 20 metros, a absorção de partículas varia de 20% e 40%.
Apenas uma Torre segue em tour pelo país com o apoio do governo chinês, colhendo novos resultados que devem ser analisados pela Universidade Tecnológica de Eindhoven, na Holanda. Caso as bicicletas adotem o mesmo modelo de purificação do ar utilizado pela Torre, as partículas PM10 e PM2,5 filtradas deverão ser armazenadas no dispositivo que, já se sabe, será acoplado ao guidão da bicicleta. Essas partículas são conhecidas como partículas inaláveis grossas. Quando inaladas, afetam o sistema respiratório e podem levar ao desenvolvimento de asma ou ao agravamento de quadros respiratórios pré-existentes. Quando essas partículas são absorvidas pela Torre, elas se transformam em uma espécie de pó preto. Esse pó é retirado da Torre e armazenado em pequenos quadrados transparentes, criando um anel vendido pelo estúdio. A venda desses anéis de elementos de poluição atmosférica “reciclados” financia, segundo o estúdio, as pesquisas do projeto. Ao Nexo, uma porta-voz do estúdio explicou que o anel já é comercializado a € 250, aproximadamente R$ 910.
O que quer o estúdio Roosegaarde
A população chinesa convive com altos níveis de poluição urbana, o que gera o fenômeno smog. Além disso, o país tem a maior população do mundo, com mais de 1,3 bilhão de pessoas. Apenas esses dados já seriam suficientes para se compreender o potencial mercadológico do produto de Roosegaarde no país. Além disso, a retomada do mercado de fabricação de bicicletas em Pequim, onde pelo menos 5 milhões de bicicletas devem ser fabricadas e entregues apenas pelo grupo Shanghai Phoenix Enterprise, indica um quadro convidativo para investir em um produto que se propõe a aliar mobilidade e combate à poluição atmosférica. Quando questionada sobre os objetivos do projeto, a porta-voz afirmou que o estúdio quer ajudar as cidades a reduzirem a névoa de poluição, gerando ar puro a partir do uso de bicicletas. “Esse conceito se alinha à crescente atenção chinesa a bikes compartilháveis”, explica. O estúdio aposta na cultura crescente do uso das bicicletas compartilhadas na China para tirar seu produto do papel e ganhar esse mercado. Só em Pequim, segundo Roosegaarde, já existe mais de 1 milhão de bicicletas compartilhadas em atividade. Elas são fruto de investimento do governo chinês associado à empresa Mobike.



